UM PEDAÇO DA INFÂNCIA GUARDADA DA ÁFRICA

por Irene Zanetti

O tempo adormecido amanheceu acordado,

Havia um ponto de luz do lado da cama, era um raio de sol que transpassava entre as fretas das tábuas envelhecidas das paredes.

Parecia uma nuvem nebulosa esticada sobre o quarto, nela estava os respingos do sol presente.

Era 6 horas, acordado o sol parecia que não tinha dormido bem á noite, já estava acordado, acordava todo mundo, assim pensou a menina.

Quando a criança queria entender como as noites chegavam e os dias amanheciam, e todas as horas, minutos e os segundos que não tinham fim, ela pensava que todos eles juntos faziam os elos das correntes que se esticavam no infinito.

Dias assim assistidos pela consciência e registrados na memória, que é o espelho inigualável do reflexo solar, longe desta consciência a menina pensava antes de se levantar da cama.

Assim foram os anos da infância da menina e da sua vida de ser, sempre em busca do que estava dentro dela.

A luta para ver o que estava fora ela …

Em tudo que trazia com o seu nascimento, que chegou há muito tempo atrás, este tempo se tornou inteiro, natural como as árvores que via, ouvia, o ar que sentia, assim como as estrelas que sempre brilharam… acompanhavam a magica do ser humano tão pequeno e real.

Longos dias, longas noites pareciam todas iguais…apenas pareciam.

O sono do seu mundo que sempre ela via e ficava transformando as horas, que pareciam quentes e outras horas mais frias.

O vento alternava o seu plasma do Ar.

Era mágico o seu sopro, parecia morno quando a boca ela abria,

Abafado quando fechava com preguiça do meio dia.

Havia a suavidade bem mais tarde do seu querer,

antes que chegasse este momento, muitas coisas aconteciam, ( lembranças dos dias anteriores) como e com quem foram, gostava de relembrar…

O assovio de alguém distraído com os seus pensamentos, ilusões,

das folhas secas e enroladas no chão…

O ar este malvado que não sopra sobre as penas que abafam as aves, as folhas caídas e soltas para voar, antes do voo percorriam sobre o quintal forrado por elas.

As plantas que amolecem como se fossem desmaiar naquele calor…

O Ar este salgado do sabor do suor que escorria sobre as faces debaixo dos chapéus e dos olhares avermelhados da ardência do sol.

Abafado como uma espessa camada que fica circundando em volta da terra.

Será então que em todos os lugares assim estão?

O pensamento da menina insistia,

Ah estes pensamentos que estavam sempre acompanhados de saber o porque, como era, foi, ficou, quanto tempo, a cor, o tamanho e tudo que algo estivesse entre os pensamentos dela.

Se era uma flor, um galho de folha… verde?

E a flor qual era? Uma rosa? Vermelha?

As vezes os seus pensamentos cessavam quando ela fechava os olhos e imaginava como a flor era, as vezes mudava a sua cor, o seu tamanho, se distraía, brincava com os seus próprios pensamentos.

O tempo do verão na areia esbranquiçada e cheias de grãos brilhantes que a quentura do sol deixava,

Os olhos da menina percorriam pedaços, pedacinhos de cada paisagem maiúscula ou minúscula, havia um encantamento que o movimento e o ar faziam, constatavam e permitia que todos pudessem acompanhar as suas histórias, os seus passeios, suas visitas, o que deixavam e o que levavam com eles…

Ali faziam as suas peripécias quando o ar se transformava em ventos oriundos do outro extremo do mundo.

Curiosa sempre conversando com o que encontrava pelo seu caminho, no seu dia a dia, ela percebia as mudanças e os rumos do ar que dava lugar aos ventos quando ele vinha forte, furioso ela aparecia na janela e tentava conversar com o vento as vezes balbuciava as palavras outras vezes pelo pensamentos.

Entre a visão do movimento dos galhos cobertos das folhas verdes, e do chão forrado das folhas secas, a menina ouvia o barulho de todo o reboliço que o vento fazia lá fora.

Segura dentro de casa perguntava em cima de uma cadeira de madeira e pendurada conversava com o vento.

Da onde você veio? De muito longe?

Por que você está zangado?

O vento embolava o que via pelo chão, juntava e esparramava tudo novamente.

Como eram as casas do outro lado mundo, são pintadas?

haviam castelos como nas histórias dos livros?

Como você se sentia lá do outro lado mundo… vento está me escutando?

Parecia que ele não queria responder, estava com preguiça pensou a menina.

Ficava brincando com o movimento das coisas, do balanço, com as folhas maduras…

brincava fazendo roda moinho, dizendo algo nos ouvidos dos passarinhos e eles cantavam e

se espreguiçavam no morno ar que o vento se transformava.

As vezes o calor do vento ali ficava paralisado como se estivesse descansando, e ela aproveitava perguntando sobre as andanças dele em outras partes da terra.

_Da onde você veio?

Insistia ela veio da onde?

Ele cansado respondia, de muito longe,

e ela perguntava o longe é longe? Ou longe é perto?

Longe do outro lado da terra….hurc

Não poderia imaginar o tamanho da terra e nem saber como seria o cansaço do vento que estava com preguiça para responder as suas curiosidades…

Ficou sozinha por uns instantes,

quando desviou os meus pensamentos,

logo eles voltaram para as histórias do vento, novamente perguntou, como são os homens e o que eles faziam com as suas vidas da onde você veio?

Tinham eles o sabor do sol também?

-Refletiu, eles tem o sabor do sol?

Sim, sim, um dia sonhei que há terras que os homens cheiram o sabor do sol.

O vento fez um movimento que parecia que queira rir, mas foi seguro quando disse.

A terra do sol aonde os homens e todos cheiram o sol não é tão longe assim daqui.

Assustada e querendo saber mais ela pergunta a onde é?

Posso visitar este lugar?

– Murmurou o vento como se estivesse querendo sossego,

mas avisou um dia você possa ir lá sentir o sabor do sol…

Ela pergunta, você não pode me dizer o nome do lugar?

Então com a voz sonolenta dele disse, África!

Um lugar gigantesco aonde as pessoas fazem parte da terra e do sol.

Suas vestes, seus olhares, e as batidas dos seus corações continuam em sintonia com o sol, eles não desperdiçam os raios solar que chegam em suas vidas…

O coração da menina não entendeu quase nada do que o vento falou, aos seus 6 anos de idade era difícil entender o que o adulto queria dizer.

Apenas sentiu, o que ele estava dizendo, o que ele trazia dentro das suas entranhas, a vida das pessoas que não desperdiçam o Sol e nem a Terra.

Dali ela saiu lembrando-se deste momento, pensativa imaginando a vida dos Homens num lugar muito grande entre o sol e a terra…

Caminhou um pouco e esqueceu do vento que estava cansado para pensar sobre o que ele disse sobre o outro lado do mundo.

Retornou para o mesmo lugar que estava conversando com o vento que este estava se preparando para ir embora, sentiu uma saudade, o que é saudade Pensou…

O movimento do vento ela percebeu que vinha dele a vontade de dar um abraço, percebeu e recebeu o abraço do vento mansamente com um calor quente e entre o movimento do abraço lhe disse vou em busca dos homens de boa vontade, certamente não retornarei mais, o meu mundo é inteiro redondo, quadrado, comprido, retangular meu corpo não tem formas, mas tenho registros de quem me escuta e acredita no que digo.

A menina ficou olhando aquela massa transparente quase sem movimento e pensou, está cansado das andanças, pensou e se ele estivesse passado pelo furacão chegaria mutilado, desfigurado, sem algum pedaço seu, ai que dor!

Logo perguntou para o seu coração a dor o que ela é pra mim, e para o vento existe?

Depois novamente olhou que ele descansava das suas andanças…e quando ela se distraiu e não percebeu ele partiu.

O vento partiu, ficou as lembranças que seu coração também partiu como se nunca mais pudesse escutar o vento.

O vento que se deixou de ser vento e passou ser novamente o ar morno, que perfurava o sono, o coração e agora só os seus pensamentos que borbulhavam na sua cabeça.

Com as perguntas inoportunas para os adultos, o que é Ar?

O que o vento faz além de voar?

Entre tantas perguntas, as respostas eram desviadas para outros assuntos, outros sentidos…

Então os adultos não conversavam com o vento?

Certo dia quando a menina foi buscar uns gravetos para fazer o fogo no fogão,

Escutou um assobio que de longe, ouvia este som…

A musica parecia ser conhecida para os seus ouvidos,

Respirou e lembrou do vento, talvez eu não possa escutar mais este assovio cheio de ternura.

Assim ela sentia que o som vinha chegando perto dela, o som transformado num canto, numa música…

O som chegou batendo palmas para ser atendido.

Olá senhor!

O senhor pediu-lhe um copo de água e a ele levou como se fosse um precioso líquido,

com as mãos enrugadas segurou o copo e lhe disse o cristal que está no espaço, está na terra como líquido…

O que poderia ela responder ou mesmo perguntar sobre o que velho senhor falou?

Hoje ela imagina que todos os pedaços do espaço sem fim, e cada pedaço foi modificado para fazer a composição que a família humana precisa…

Partiu depois que tomou o cristal derretido, pensou.

Os olhos da menina ficou olhando sua figura desaparecer na curva, nunca mais o viu, só quando lembra dele através das lembranças que não desapareceram, ali estão na sua memória, no seu peito…

Lembrou-se bem que foi a primeira vez que teve a consciência de ouvir o Som,

Na verdade não era apenas o assobio que descrevia a música, mas era o Som captado do espaço,…então era o som Universal, que aquele senhor pediu um copo d’água, e que entreguei como cristal derretido.

Havia todos os dias algo de especial que chegava

Assim como a água que teve outro sabor para a sua vida.

Em algumas ocasiões a menina perguntava se água não poderia ter outro sabor daquele que já conhecia, aos poucos foi percebendo que para ser água ela precisava ser pura, imutável cheia dos misteriosos segredos que a fazia em abundância e atender todas as necessidades da face da Terra…

Assim foi sempre, os arrepios de frio, não do clima frio, mas da emoção que trazia nos braços conseguiam sentir o tremor da vida das coisas corriqueiras, com uso diário e necessário…

As conversas com o mundo, com os elementos naturais e que são indispensáveis para a cadeia alimentar da vida na terra, sem estes que não haverá sobrevivência caso desapareçam.

A infância da tardia data tem as imagens vivas e totalmente intactas, são elas o espelho do passado no presente.

A menina que sonhava com a vida feita das relações entre os elementos da natureza, da Luz que estava espalhada sobre a Terra, o espaço em volta dela…

Como a menina percebia a invisibilidade entre cada manifestação da natureza, cada som que ela emitia, as cores vibrantes sem poluição,

Era um estado humano cheio de emoções,

de sentimentos puros.

Um processo em que as folhas poderiam se deixar ser observadas, sem medo dos humanos, e sem culpa de sair sem licença pedir porque um pedaço o vento por ela passava e a levava para outros lugares, outras terras, travessias no corpo da Terra.

Assim a menina comungava os seus pensamentos no mundo abstrato.

O abstrato? Seria o que ela não via mais poderia sentir,

percebe e as ligações automaticamente aconteciam como se fossem uma manobra que alguém muito Grande e único pudesse fazer este movimento entre os gravetos, as flores azuis do campo… da voz do vento…que com o seu passar ela sentia a hora que ele se contorcia…seguia reto…voava mais alto…mais baixo, o corpo da menina media a densidade, a intensidade de cada movimento que os seus olhos não viam…mas seu corpo físico, sua percepção trazia as formas, o gosto sem sabor, o perfume dispersado, cada detalhe, momentos de êxtase…inteiros eram sentidos…

O melhor que tudo foi registrado na memória,

na cauda do vento que permaneceu neste quadro, nestas histórias…

Um dia uma estrela veio de longe, estava ela passeando pelas dimensões mais próxima da Terra, a sua curiosidade de conhecer um pouco mais das estrelas que piscavam amontoadas naquela noite que o frio a cobriu…

A ingenuidade da pequena estrela era saber porque em alguns pontos tinham um monte todas juntinhas e em outros lugares apenas tinha poucas espalhadas ou solitária e em outros era tudo escuro…

Assim ela foi chegando voando…tentando se aproximar dos lugares…

Cautelosa ela se aproximou do lugar que havia apenas uma luz acessa…

ficou plainando no ar, como tentando descer e ao mesmo tempo sentia receio cada vez que ela ia se aproximando.

Sua luz as vezes de dourada , as vezes prateada e outras vezes azulada,

Eram madrugadas lentas iguais a todas as noites de inverno…

a menina ali via através de uma cortina feito de um lençol branco com algumas perfurações que o tempo desgastou…

o pouco movimento da cortina era quando o vento entrava pela fresta da janela e tocava suavemente o pano estendido…

E a cada movimento que o vento permitia a menina via pedaços da estrela indecisa…medrosa pensava ela…

Venha sem medo…tua luz iluminará os teus passos…ora, ora…porque você tem luz então…

Eu não tenho olha só estou no escuro aqui dentro do quarto…o pensamento é algo transformador…colada na janela a estrela surgiu sorrindo e disse á ela…tua luz é o teu coração na vida…

Como numa mágica a estrela de três cores, subiu uma escalada que os olhos da menina nunca mais a viu…

De tudo sentido e visto, o melhor é que a menina nunca esqueceu estas vivências.

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