Despeço de mim como se não há nada pela frente,

por Irene Zanetti

Tudo se perde na fumaça do fogo árduo.

A minha figura desaparece no centro de tanta escuridão, assim me vejo desaparecer.

No entanto, sofro com o que vejo porque não vejo, depois recuo a minha permanência nesta escuridão infestada de medos.

Soa um apito desconhecido dos meus ouvidos, me preparo para tampar-lhos para nunca mais ouvi-los.

Da fumaça branca com um cinza estranho em sua volta. Fico esperando que um clarão possa acontecer de repente, não mais que de repente.

Novamente os ouvidos são tampados automaticamente quando na escuridão não há palavras e nem os sentimentos da esperança para dali sair.

Ouço um soluço, e estremeço como se fosse me permitir ver algo além da minha imaginação.

Cerro os olhos como se fossem eles o aviso de que tenho que parar de respirar…

Em alguns segundos fico assim, desmaiada não querendo sentir a realidade que está sobre os escombros dos vitrais.

Logo pensei nos vitrais e percebi que estavam todos quebrados como se fossem cacos que o cuidado dos séculos tentaram guardá-los.

Um certo, mas pálido clarão se fez quando ouço o ronco de um carro chegando.

A luz logo veio mesclada de sombras das colunas malfeitas naquele momento depois que tudo caiu sobre mim.

Vi os olhos de alguém numa da fresta da parede e logo pensei sozinha não estou mais.

Ao mesmo tempo um susto me trouxe á razão se fosse o inimigo como eu o trataria?

Não mais olhei para a fresta com o medo de ser descoberta ali sobre os escombros.

Ali eu estava anestesiada, não tinha consciência de muitas coisas, das coisas que estava em meu redor.

Apenas estava sentindo o que o corpo respondia para as sensações que sentia.

Descobri num momento de lucidez, um relâmpago que se fez ..

deixe-o passar como se nada tivesse visto.

O medo de ver algo que eu não sentia criou em mim o pânico da realidade que poderia ser uma fantasia.

Entre a fantasia e a realidade assim fiquei por horas, sem o sono chegar.

Entre os intervalos dos pensamentos, a percepção me levava á outros cantos, outros templos que não tinham os vitrais quebrados.

Eram os templos que vivia na infância, o templo do pôr do sol,

dos amanheceres dourados sobre a cobertura de madeira da casa antiga.

Quantos templos já vistei? Pergunto-me sem querer responder… estava difícil retornar para a realidade fora dali.

Como poderia descrever os templos que eu os via como se fossem retratos que deveria guardar para um futuro, um tempo sem os templos.

Guardei as imagens seculares e outras tão jovens de existência, mas tão carregadas de detalhes.

Sem querer olhei para a fresta e os olhos que estavam esticados tinham partido.

Se foram, porque a menina ali não queria sair da sua clausura, dos seus medos, estava ali para reencontrar os templos de um viver perdidos no tempo que se passou.

Ali estavam como se fossem ninar junto com a sua boneca de pano com um vestido florido…

Estava com as lembranças da boneca nos braços, agora com as rugas, marcas do tempo que os templos respiravam junto com a boneca imaginária…

Outros roncos de carros surgiram como se fossem para anunciar que tudo estava manso, paralisado, e que as nuvens escuras que penetraram nas paredes já tinham passado para fora…

Estava o dia clareando, e um sono pesado me trouxe de volta aos entulhos com o formato do meu corpo.

Novamente olhei para ver a realidade, mas os olhos se fecharam e adormeci com a memória aberta transformando-se em sonhos, e os sonhos em lembranças das vivências…

As vivências são feitas pela realidade pensei, sonhei senão é que lembrei, agora não sei.

Comecei perceber minhas mãos quando elas tocaram a ponta do meu coração angustiado, de não saber o que tinha acontecido para este ninho estar.

Sem perceber as pontas dos dedos se moveram como se quisessem sair fora das mãos pálidas, mas agarradas no coração.

Entre os estados da dormência, imaginei os dedos caminhando fora das mãos e neste momento senti o frio que elas guardavam.

Fiquei vagando sem o pensamento ativo.

Ele estava na sonolência de alguma pancada que tirou parte da minha consciência.

Vaguei no vazio de mim mesma, sem encontrar um ponto que pudesse remover a minha consciência e dela reagir num estado de pura inocência de estar viva.

Deitada como se fosse balbuciar palavras para fortalecer minha energia, e com a- absoluta teimosia, tentava invadir meu próprio corpo para despertar.

O tempo passou entre as frestas que os olhos partiram, depois me voltei para ver minhas mãos, até então de real eram apenas elas que tinha consciência de reconhecer o que era eu.

Minha cabeça esfolada estava com uns respingos de sangue, ainda assim a dor não vinha…

Esta sensação me fez lembrar que a dor poderia me tirar desta inanição, tinha um gosto amargo na boca outra manifestação da minha percepção, lembrei do gosto do mel, “disse-me”, prefiro o mel e não o fel.

Acordei com um relâmpago feito de luz azul, e pensei o céu esta acordado, ouvindo os estrondos dos fuzis…

Novamente adormeci querendo esquecer da realidade,

me acomodei entre os trapos que as cortinas ficaram depois dos ventos fortes, pensei, nenhum trovão se atreveu de me dizer, são os canhões vomitando o próprio estômago.

São as mentiras dos Homens que querem perpetuar nos seus tablados feitos de ouro…

Novos relâmpagos me permitiram olhar para a fresta e vi um clarão que voltei lembrar dos templos dos amanheceres, fiquei entre a escada de lutar para continuar viva ou descer para morrer.

Sem luta na escada abri os meus braços frágeis pelo tempo que eles carregaram, deixei que a escada ficasse suspensa no ar…o vento capaz de amansar as almas fez da escada uma gangorra, e assobiou nos meus ouvidos dizendo, balança o tempo permite, tua demora pode ser grande ou pequena…o que importa é o balanço que mostrará os templos que se tornaram eternos…

Que a paz seja maior que a guerra,

A água benta derrama sobre todos que sofrem,

Que os caminhos das pedras, não tenham espinhos e nem lamentos…

Que o amor e a saúde vençam esta caçada desumana.

Do alto da montanha o sol chega sem aviso…

Visitaste Ala depois da quebra da multidões das bombas.

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