ANTIGAMENTE

por Irene Zanetti

Dizia o vovô cheio de mistérios e certezas…

Certa vez encontrei no caminho um animal quase invisível…era todo cheio de um formato não conhecido.

Era um pouco estranho, eu nunca tinha visto na minha vida…

O neto atento nas palavras do seu avô, e com olhar admirando aquele rosto cheio de traços, de dobrinhas em volta dos olhos, da boca, do pescoço…admirava-o com todas aquelas dobras, no rosto havia uma beleza, um encantamento…as vezes o seu olhar se perdia imaginando que um dia poderia ficar como ele.

Pensava entre as palavras, da voz grossa e com a respiração pausada do seu avô…

Logo o pensamento retornava na história que aquele homem contava…o animal ele falava do animal que tinha encontrado no caminho…

Com as mãos presas sobre os joelhos, o velho se perdia no tempo…eram lembranças que apareciam e desapareciam parcialmente…deliberante das histórias que tinha vivido.

As vezes o neto o via como um senhor dos anéis, outras vezes como um ser tão miudinho, outras vezes um palaciano, e em outras o avô que ensinou a creditar nas suas histórias, nos seus sonhos, devaneios e verdades vividas…

Tudo isso num só homem…um homem com muitos personagens verídicos.

As histórias muitas vezes não eram terminadas, ele sempre deixava um mistério, uma pergunta no ar, e o menino ficava pescando algumas respostas, alguns toques sobre o que ele deixou de falar, era para ele meditar e sentir o que poderia ser o restante da história.

Assim ele sempre fez durante sua vida com as pessoas, ele vivia entre as imagens das histórias vividas, lidas, escutadas, assim ele caminhava com as revelações da sua memória.

A memória fértil do vovô era escaldante, sintomática e contagiante o neto sempre pensava.

Tinha o sabor de quero mais,

Da vontade de penetrar no mundo deste homem que colhia á todos com um sorriso, uma palavra…tinha o seu Ser exposto constantemente, a sua bravura de trazer á tona sem escolha a sua enigmática memória que morava na flor da sua pele escura, com os traços do tempo…

Poucos antes da sua partida o homem de muitos personagens, de fantasias reais,…fantasias poderiam ser reais? pensava o garoto, mais tarde descobriu que não eram fantasias, mais inspirações e encantamentos que ele espalhava por onde passava…

Doces lembranças do garoto que se tornou homem maduro…lembrou-se do último passeio que foram fazer…o neto já tinha dado um bisneto á aquele homem singular, único, repleto de belas paisagens antigas e nobres que seu coração carregava.

No último passeio que deram suas mãos entrelaçadas caminhavam devagarinho, o velho já não tinha a mesma visão, as imagens ficavam turvas e mescladas, com pouca visibilidade se deixou fechar os olhos por alguns instantes e disse ao neto…

deixarei aqui as minhas digitais nesta terra que tanto amei…

Nos ares da nobreza dos rios,

na estampa risonha dos laranjais,

no doce da fruta das goiabas,

no canto inesquecível dos pássaros,

nas ondas dos pequenos ventos,

na simplicidade da chuva…que chora sem querer…

nos tempos da inocência da minha infância…

nos registros os meus rastros na areia, apenas para que o sol os aqueça,

no sono demasiado, dos dias difíceis…todos os sonos…e o encantamentos dos seus sonhos…

em cada sono com o seu sonho….

cada sonho histórias vividas nas existências que a vida perpetua no coração da eternidade.

assim também deixo com os pés ficados entre a terra árida, que se fez o barro que aqui me trouxe e aqui passearei depois que a terra me cobrirá…

O neto segurando as mãos do avô, e segurando também o choro que ficou sufocado entre o seu diafragma e a sua garganta…

queria ele chorar porque sabia que era uma despedida…

um fim do corpo daquele ser humano tão bonito na sua plenitude humana…

olhou para o rosto imaculado do avô, suas lágrimas escorriam como se fossem um minúsculo rio, uma correnteza com gotas de cristais rolavam na pele escura que o seu DNA lhe propôs, e queimada pelo sol escaldante daquele verão.

Uma vez mais os braços do avô se estenderam abertos…esticando o que podia os seus músculos, a sua força física, e a ternura do seu olhar fitou para a longa distância…tão longa que lá só podia ir aqueles que os anjos de Deus vinham buscar…carregado no colo deles viu partiu o Ser Humano que viveu mais o seu mundo verdadeiro, puro como a água descoberta e nunca tomada, usada…a água intensa que se fez uma cortina fechando os olhos do velho amado, e das paisagens desta história…

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