O QUE IMPORTA? VI

por Irene Zanetti

O menino com o boné xadrez de lã estava sentado sobre os escombros,

Ali batia um sol aguado, parecia preguiçoso e silêncioso.

Um dia me disseram quando você perceber o silêncio do sol, é porque ele está triste…

Olhei novamente para a cabeça abaixada da criança, parecia que cochilava…

demorava para ver algum movimento em seu corpo.

O silêncio neste momento não estava apenas no sol, isto já era um sinal de que havia perigo sobre os escombros,

e dos escombros, e da fumaça negra que se espalhava pela região.

Cada passo dado parecia que era alguns quilômetros dados, não era cansaço dos dias e noites com poucas horas de sono, mas era algo que estava dentro do meu peito.

Uma dor imensa, torturante e sem medidas.

Fiquei assim por instante sentido uma multidão de sentimentos que somente os seres humanos conseguem experimentar…

Ali estava já do lado do menino e o do seu silêncio.

A sua respiração era fraca e lentamente ele conseguia expirar profundamente, olhei suas mãos com arranhões leves,

mas sujas de sangue que provavelmente não seria dele.

Pouco se movia quando toquei em seu ombro esquerdo, parece que teve uma reação pensei ou percebi?

Entre estas duas manifestações interiores, meu pensamento correu de encontro dos meus olhos para que pudesse obter a verdade.

Olhei como se fosse uma máquina fotográfica tentando milímetrar o seu corpo frágil e inseguro.

Como saber atender um raciocínio neste momento?

O coração selvagem me tomou de súbito quando o tomei em meus braços e dali o levei na primeira porta entre aberta que encontrei.

Não era o peso do corpo frágil, nem do boné xadrez da sua cabeça…era as mãos com os pequenos dedinhos que escondia algo…

Sentei com ele em cima de um móvel empoeirado e faltando uns pedaços de madeira que deveria ter sido uma bela peça no canto da sala destroçada.

Ali na solidão do sol e da criança, chorei!

Precisava agora não mais do coração selvagem com instinto de um animal feroz…

O choro trouxe-me uma nova força que pouco a conhecia,

Novamente meus olhos percorreram cada detalhes daquela criança que ainda não tinha dez anos de idade, e ali estava em meus braços como se fosse um recém nascido…

A mudez da alma coletiva presente mostra caminhos para ser percorrido…

Pensei o que será a alma coletiva presente?

O que este pensamento quer dizer neste momento doloroso?

O silêncio do sol permanecia inerte,

e uma vontade descomunal invadiu meu peito, agora havia uma força e não uma fera contida, desvairada.

A quebra do silêncio lá fora aconteceu,

barulhos domésticos vinham de não muito longe…

A sensação que tive foi de sentir um cheiro de alho queimando…isto era tudo neste momento desolador.

Ainda nos meus braços a criança foi comigo do outro lado da parede grossa de cimento antigo.

Ali um velho senhor estava preparando um alimento que o alho ia ajudar no seu sabor.

Quando os olhos protegidos com muitas rugas em sua volta nos viu, ele apenas puxou uma cadeira a metade de ferro e a outra metade de almofada com capa bordada com flores coloridas.

Ficamos parados um diante do outro,

apenas as suas mãos trêmulas me indicou para colocar a criança numa esteira esticada no chão, ali com cuidado a coloquei como se ela fosse de cristal trincado….

Ela não poderia sofrer nenhum movimento brusco, estava semi- consciente…

A voz daquele anjo com muitas décadas vividas começou com um ramo de oliveira retirada de um pote com água benta, alternando em passar pelo corpo da criança, e logo mergulhava novamente no pote da água benta….

Foram várias vezes que isso aconteceu acompanhada pelas orações em hebraico, ou seria outra linguagem que eu não conhecia?

Não era momento de tanta observação,

a concentração de energia da água com o som das orações foi desfazendo a rigidez do corpo da criança.

E logo a sua respiração começou ficar mais solta…suave…

Faltava ainda o último apelo da benção para que ele a sua consciência voltasse para o seu lugar…

Depois de um profundo e longo respirar o velho emergiu novamente o ramo da oliveira no pote da água benta e com os punhos cerrados, com o rosto iluminado, uma vez mais derramou a água como se fosse fios do sol sobre o corpo que começava se movimentar que acordou e soluçou…

Momentos que a guerra traz para os seres humanos…

O Velho ali ficou…meu corpo estava moído de emoção e tensão, então, depois de saborear um pouco do alimento com sabor de alho, o menino me olhou pela primeira vez e disse…caminhamos agora..

O que importa?

Outras publicações

Deixe um comentário