PASSAGENS

por Irene Zanetti

PASSAGENS

Irene em 22/02/2025

O amargo do fel apareceu de repente sobre o lençol,

estava ele ruido pelo tempo guardado no baú.

Olhei seguidamente o lençol esticado, parecia a própria capa do colchão.

Olhei a janela fechada e a dor no estômago continuava como se eu fosse explodir e tudo que estava dentro sairia pra fora.

Enrolei-me na manta e a dor sacudia ainda mais.

Lembrei que fosse uma vontade nova para escrever.

Tantas outras foram agradáveis, outras instigadas pela própria vontade.

Estou a escrever como diria uma voz portuguesa.

Minha alma acidentada me passou a mensagem que a escrita salvaria a noite da minha insônia.

Fiquei calada diante de mim, como se uma preguiça dissesse não vá, se acomoda.

Não acomodei nenhum outro pensamento e as palavras começaram saltar de dentro pra fora, como se a pressa pudesse me engasgar.

Coloquei uma mão sobre a outra pra sentir a dor física que parecia aumentar no meu peito.

Algumas menções de me acalmar apareceu vagamente.

Então minha alma ensanguentada da dor emocional libertou-se num choro nunca chorado, que eu tenho lembrado.

Olhei pra mim como se estivesse num espelho no vazio.

Meu corpo calado, apenas obedecia minha emoção.

O choro doído, tão doído que muitas horas estava alojado como se eu estivesse semimorta.

A parte viva percebi que era a alma que tentava se manifestar para ser ativa, viva mais que a mortem, que se calou e deu espaço para a vida.

Uma vez mais uma sombria falha do plasma do sangue que escorre por todos os lados do meu corpo.

Ali permaneço como se fosse muito obediente…

Meu tempo já não é tão seguro e nem mesmo doce como antigamente.

Meus olhos pouco se interessam em ver as coisas como antes eu fazia, na tentativa de conseguir me distrair para nenhuma dor me pegasse de surpresa como foi desta tarde.

A tarde que rasgou um pedaço da minha juventude aos meus 21 anos,

O tempo da doença que parecia incurável.

A febre reumática que se manifestava nas tardes com a febre .

Um nó na garganta se formava e muitos médicos não sabiam que remédio poderia receitar.

O volume deste período cresceu diante da minha necessidade abusiva de estudar, pesquisar a vida , o mundo com as suas crateras demasiadamente humanas…

a cratera do meu peito moveu um choro dolorido, estranho, sem o sentido para tanto, pensei.

Consequentemente sabia eu que algo maior neste período aconteceu.

E o que aconteceu?

O que me levou a uma cratera já existente, que ainda não consegui destruir para construir…

Apenas a cratera se fez, e não me permitiu que fosse saber o que ainda não sei.

Escrever acalma a alma.

Penso eu, a placenta que estava em minha volta ainda está em mim desde que eu nasci.

Certamente figurativa para dar entendimento como eu nasci.

E porque isso é preciso saber depois de 73 anos vividos, sem buscar a concretude do meu nascimento.

Fico com a alma banida e sem esperança de conseguir seguir adiante.

A cada tempo que passa se renova no meu destino ou a minha miséria humana…

Ainda assim minha voz não se declara, imagino que eu não possa saber o que deveria saber.

Será a minha estupidez de querer saber…

Sempre estou me surpreendendo. Com as verdades que não sei, mais que as sinto.

As verdades de uma vida que deixou de vivê-las….

Talvez esta é a resposta da minha memória ,

que está sempre se coçando e soltando pontinhas escondidas que a minha percepção vai tomando conta e revelando pedacinhos das minhas histórias.

E porque não contar o intuito que me fez surpreender e chorar?

A febre reumática, trouxe-me um novo viver, foram anos carregando as suas manifestações…nada de anormal.

O susto e a dor que explodiram dentro e fora de mim, foi a sensação que senti como me sentia.

Me sentia calada, com dor visível e invisível.

Cuidar de mim, sem a companhia de ninguém.

Como sempre a solidão amarga de quem não pode dividir o peso da dor física, para a dor emocional não doer tanto.

Quantas vezes precisei de uma companhia durante os trajetos as consultas , as decisões para tomar, estava eu comigo apenas.

O peso mais pesado na velhice é o saber do quanto fui sozinha, como ser humano, pessoa, mulher e mãe.

Ainda assim tive e tenho grandes e verdadeiros amigos…

Um pouco da alma inquieta…

“Só pra dizer que não falei das flores.”

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