Irene em 05/03/2024
Tenho escapado do sol ardente, todos os poros do meu corpo exalam a umidade que possivelmente eu nunca poderia ver, apenas sentir.
O sopro das sombras das árvores dá o respiro de quem amansa o cansaço.
São os passos que dormiram junto ao corpo na noite anterior.
Penso os passos caminharam a noite toda, através dos sonhos.
Fico assustada com as sombras das árvores se moverem, num estado relâmpago de estar no sonho, ou na realidade.
Logo tento separar as conturbações dos passos firmes e fortes para suportar o calor excessivo.
Ainda assim a união dos pensamentos e da lembrança dos sonhos continuam na minha companhia.
Penso ou sonho?
O que o sonho pensa?
O que a minha essência sabe sobre isso?
Um pouco mais de fôlego,
um sorriso desencadeia num dos cantos da minha boca.
E o sorriso avisa a minha consciência que retomou no horário do dia.
Olho para as pessoas que carregam seus crachás pendurados no pescoço, e sinto uma estranheza disso ver.
O que fazem todos, nestes tempos de pouca sobriedade além dos crachás?
Alinho o meu pensamento sempre dizendo que é pra ele não se exceder, não exagerar que como sempre fez.
Caminhando com os passos entre os sonhos e as calçadas.
As vezes permaneço neste campo inabitável da solidão.
A solidão dos passos que carregam os pés visíveis e cheios e bolhas.
As vezes rogo para que eles não param de caminhar, pois o tempo anda mais rápido que eles.
E as vezes eles insistem carregar os sonhos com eles.
Tudo fica misturado, como se fossem uma realidade que não sei viver.
Subo no ônibus, e uma corrente de pessoas se amontam como se os pés tem apenas os sonhos conturbados da noite que terminou poucas horas.
Não uso relógio de metal nem de qualquer outra coisa, mas percebo que cada rosto mostra a hora que acordou, e daqueles que continuam dormindo encostados nas poltronas desgastadas dos ônibus da periferia.
Voltados com os rostos semicodescobertos com cachecóis, outros com a manga do casaco, outros ainda entre os cabelos soltos e longos.
O que todos querem é continuar sonhando…
Sonhando os sonhos que os tira da realidade, que os transporta para um mundo intocável, senão pelas lembranças, quando se consegue delas lembrar.
Na verdade ninguém quer ficar com os olhos abertos,
ninguém boceja e ninguém fala com ninguém neste horário.
Todos estão na introspecção da noite que não quer acordar e nem, do dia que acordou, mas não quer esquecer da noite que passou.
Olho para os meus pés e sinto uma pobreza naquele chão amortecido.
Respiro como se fosse a melhor coisa acontecer depois de ver um cenário corriqueiro e que traz o retrato daqueles que estão vivos e não sabem.
O caminho longo percorre ligeiro com as rodas treinadas do ônibus,
O motorista passa as mãos nos cabelos a cada parada que dá.
Fico no ronco do motor, parece cansado e desnutrido.
Olho para o fundo do ônibus algumas poltronas já vazias tremulam na passagem dos buracos do asfalto.
Uma vez mais o motorista penteia os cabelos com os dedos da mão esquerda.
Espero a chegada da minha descida do ônibus.
Algumas conversas entre os passageiros começam acontecer.
Penso com novos pensamentos, aqueles que estavam caminhando paralelo com os sonhos, já se dispersam, foram removidos, dando lugar para novas risadas , brincadeiras, conversas baixas e altas.
Todas elas numa troca dizendo acordei, os sonhos ficaram no lugar deles,
alguns nem lembravam mais o que sonhou apenas o dia começou.
Na descida para o meu destino, deixei que meus passos me levassem, para uma subida íngreme, que me fez pisar fortemente nas pedras decoradas das calçadas, os edifícios altíssimos se perdiam no espaço,
lembrei para aonde deve ter ido os sonhos sonhados, com figuras nas paisagens desconhecidas.
Todos eles tinham voado para o espaço, lá estavam mesmo que eu não os visse, estavam eles navegando sem donos e nem guardiões humanos.
Não pertenciam mais as encruzilhadas dos passos e nem dos pensamentos, estavam livres, libertos das mentes e sono dos humanos,
navegavam como uma pena, uma pluma, um pedacinho de algodão, sobrevoando e quem sabe com o retorno dos sonhos que transformarão em realidade.